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Relato de uma Trad em Andradas

Relato de uma Trad em Andradas

Aqui na Quero Escalar nós presamos pela diversidade. Escalada Esportiva é muito legal, Boulder é da hora, Escalada indoor tem seu mérito e escalada de vias de cordada também tem todas as suas nuances e critérios que a tornam tão desafiadora ou até mais do que as outras modalidades. A logística envolvida e os riscos fazem dessa receita um prato cheio daquilo que muitos de nós mais gostamos numa escalada: uma boa dose de aventura!

Por isso resolvemos publicar a experiência de um escalador de Campinas que gentilmente nos cedeu um relato de quando ele aprendeu uma boa lição em uma escalada em Andradas, um lugar muito procurado pelos paulistas (apesar de estar em Minas) para escaladas tradicionais (também conhecidas como escalada de cordada).

Escalando o “medium”-wall

Eu sou Philipe Godoy, programador e escalador de campinas, escalando há pouco mais de um ano reconhecido nacionalmente como abandonador de oitavo-grau e melhor amigo do clipstick.

Toda escalada é uma aprendizagem, o que a escalada na pedra do elefante me ensinou foi humildade.

Pedra do Elefante, Andradas – Minas Gerais

Em setembro de 2020, eu e um amigo (Luan Ferreira, conhecido como Piá) decidimos fazer a nossa primeira escalada tradicional. Ao contrário da escalada esportiva, a escalada tradicional é muito mais logística e preparo, a escalada esportiva normalmente é praticada em paredes pequenas de até 35 metros, enquanto a escalada que planejamos era de 180m.

Depois de muito pesquisar sobre a qualidade da rocha e por qual via subir na Pedra do Elefante, chegou a hora de irmos. Organizando nosso equipamento de escalada tudo parecia estar correto, no entanto, vimos que estava bem pesado e, como teríamos que escalar carregando tudo nas costas, começamos a pensar no que poderíamos deixar para trás para facilitar nossa vida.

Para escalada a regra geral sugere que tenhamos 3.78 Litros (1 galão) de água por escalador-dia.

O item mais pesado de todo equipamento era a água. Nas preparações separamos três litros para cada um, o que se traduz em seis quilos a mais para subirmos a montanha. Refletimos um pouco e nesse momento cometemos nosso primeiro erro, deixamos para trás três litros de água e começamos nossa aventura com apenas um litro e meio para cada um. Já que a distância entre a nossa escalada e a cidade mais próxima era bem razoavelmente pequena, o que de ruim poderia acontecer?

Chegada a hora da escalada, a via escolhida foi a Vulcano, uma via de 180 metros dividida em 4 partes, em que a parte mais difícil era a terceira. Segundo os guias, o grau de dificuldade dessa via era quinto grau, e tanto eu quanto o Piá conseguimos escalar quase qualquer sexto grau de maneira bem razoável, então, fisicamente seria uma tarefa tranquila para gente. Esse foi o segundo erro que cometemos.

A escalada na pedra do elefante é muito exposta às variáveis do meio ambiente, toda a escalada fica ao sol, o que dificulta tudo que precisamos fazer. Depois de uma hora e meia de trilha e mais uma outra hora e meia de escalada, chegamos na parte que era para ser difícil. Eu fui primeiro e, com muita paciência antes de começar a escalar, comecei a procurar a melhor maneira de fazer isso, mas ao olhar para cima eu não consegui encontrar nenhuma agarra, nada que eu pudesse colocar minha mão inteira ou usar de apoio para os pés.

Passado a impressão assustadora inicial, comecei a notar que poderia usar agarras e posições de pé bem pequenas, e depois de subir alguns dois metros eu encontrei uma posição boa e gritei para o Luan: “Esses movimentos foram meio difíceis, mas acho que já passei a pior parte”, ele me respondeu com uma aceno de cabeça positivo, mas ele sabia que a parte complicada seria muito mais que dois metros, que seria algo como 15 metros de movimentos bem delicados e com muito equilíbrio.

Não sabendo disso e com minha confiança restaurada eu comecei a fazer os próximos movimentos, mas quanto mais eu me movimentava mais difícil ficava a próxima posição, e assim foi durante cerca de cinco minutos, quando eu finalmente encontrei um lugar que poderia relaxar um pouco e parar com foco no equilíbrio eu já tinha esgotando minha energia mental. Respirei fundo, olhei para trás vendo os mais de 140 metros que já tínhamos escalado, respirei fundo, e pensei “filho da puta”.

A escalada depois desse ponto requer muito menos técnica e força, mas o cansaço mental estava tão grande que eu mal conseguia conversar com o Piá, eu só tinha energia o suficiente para escalar e para os procedimentos de segurança.

Chegamos, depois de quase três horas escalando, no topo da pedra do elefante! Isso me deu um relaxamento mental muito grande, a tranquilidade de saber que não ia precisar continuar pendurado foi bem tranquilizante, porém, agora precisaríamos fazer as duas horas de trilha de volta, e com um pequeno detalhe, sem água, tínhamos tomado tudo durante a escalada e agora teríamos que terminar sem mais nenhuma gota.

Por conta da falta de água e do sol, estávamos exaustos e para melhorar a nossa situação não conhecíamos o caminho de volta, andando como camelos descemos a trilha e depois de muitas voltas finalmente conseguimos chegar de volta à civilização.

Eu não tenho certeza sobre o Luan, mas mesmo depois de tomar vários litros de chá gelado, água e cerveja eu só fui usar o banheiro de verdade um dia e meio depois da escalada, meu corpo estava literalmente seco.

E assim foi a escalada na pedra do elefante, minha primeira escalada, me ensinando humildade, ao me fazer respeitar o grau de dificuldade e as ‘regras gerais’ da escalada, mesmo sendo uma via relativamente fácil e próxima a civilização, a montanha e a escalada são coisas que devem sempre ser respeitadas.

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